
Cidade da Bahia
A mancha indigna e o gol do Bahia

Diogo Tavares*
Mesmo sem jogar no final de semana, o Bahia marcou um golaço ao ser o primeiro clube de futebol profissional da primeira divisão a protestar contra o crime ambiental que encheu as praias dos estados nordestinos de petróleo bruto. O tricolor baiano anunciou que enfrentará o Ceará pelo Brasileirão nesta segunda-feira, às 19h30, no Estádio de Pituaçu, em Salvador, com uma camisa estilizada “manchada de óleo”.
A iniciativa do Bahia se alia à indignação que tomou conta de baianos e brasileiros dos estados nordestinos diante de um fato que ainda parece ser uma notícia corriqueira para o resto do país. Não é. É o maior crime ambiental que já vitimou a população brasileira e o fato de culpados ainda não serem conhecidos não diminui isto. Ao contrário, acrescenta outros responsáveis, por negligência e omissão, ao assistirem praticamente passivos ao agravamento de uma tragédia anunciada há quase dois meses.
As manchas de petróleo bruto apareceram no final de agosto inicialmente na Paraíba e se alastraram para 171 municípios dos nove estados nordestinos. Na Bahia, surgiram no início de outubro e já atingiram praias em Salvador, Jandaíra, Conde, Entre Rios, Esplanada, Mata de São João, Camaçari, Lauro de Freitas, Vera Cruz e Itaparica. Mais recentemente foram relatadas manchas de óleo também próximo a destinos turísticos como Morro de São Paulo e Itacaré.
Desesperados com o petróleo, que em seu caminho matou animais e plantas, destruiu manguezais e ecossistemas, tirou o ganha pão de pescadores e trabalhadores praieiros, e descrentes das ações governamentais, muitas pessoas foram às areias e arrecifes para um árduo combate. Formando grupos de voluntários cada vez maiores, com as próprias luvas, mascaras, pás e sacos plásticos, ou às vezes sem a devida proteção, buscam recolher e raspar das pedras o viscoso óleo mortal.
Além de apontar para a Venezuela, onde teria sido extraído o petróleo, o governo federal avançou muito pouco para encontrar os culpados. Ao contrário, juntou a falta de transparência aos já mencionados crimes de negligência e omissão. Um cenário fértil também para a especulação e o surgimento de novas teorias, uma delas envolvendo um possível acidente na prospecção de áreas do pré-sal.
O certo é que a alta estação turística no Nordeste se aproxima sem qualquer previsão de solução para o problema. No último feriado, hotéis em destinos turísticos como a Praia do Forte, no litoral norte da Bahia, já acusavam o cancelamento de reservas. Com isto, a imensurável perda ambiental se somará ao incalculável prejuízo econômico.
O protesto do Esporte Clube Bahia une na mesma torcida uma legião de cidadãos indignados. Reforça a cobrança por respostas e, principalmente, por soluções. Já é vitoriosa, independente do resultado do time. Mas é apenas mais uma partida numa triste competição onde as regras foram transgredidas e que parece não contar com juízes ou VAR.
CONFIRA O MANIFESTO DO BAHIA
O problema é seu. O problema é nosso.
Quem derramou esse óleo? Quem será punido por tamanha irresponsabilidade? Será que esse assunto vai ficar esquecido?
O Bahia é você, somos nós, cada ser humano.
É a forma como representamos o amor, o apego, o chamego, o sagrado, a justiça. O Bahia é a união de um povo que vibra na mesma direção, que respira o mesmo ar e que depende da mesma natureza para existir, para sobreviver.
Jogaremos nesta segunda-feira (21), contra o Ceará, em Pituaçu, com a camisa do Esquadrão manchada de óleo.
Um convite à reflexão: o que faz um ser humano atacar e destruir espaços sagrados? O lucro a qualquer custo pode ser capaz de destruir a ética e as leis que regem e viabilizam a humanidade?
A barbárie deve ser tratada como tal, não como algo natural.
*Diogo Tavares é jornalista